sábado, 26 de novembro de 2011

O Instituto H. Ellis

recepção do Instituto H. Ellis


por Sidney Glina


A história do Instituto H. Ellis é a história de uma parceria longeva e de muito sucesso.

Tudo começou quando a Disfunção Erétil era Impotência, uma especialidade meio marginal, “coisa de charlatães” como se dizia na época. Em 1980 eu era Residente do 3o ano de Urologia no Hospital das Clínicas de São Paulo e meu maior desejo era ir para o exterior e especializar-me em Uro-Pediatria. Em uma das reuniões da Clínica, às quintas-feiras, o Professor Gilberto Menezes de Góes, o tão querido Prof. Gilberto, apresentou um trabalho sobre impotência sexual em homens que haviam sido submetidos a dois transplantes renais. Ao final da discussão ele pediu para que o “residente do transplante” fizesse um levantamento do que acontecia com os pacientes transplantados no HC. E o “residente do transplante” era eu. Comecei a estudar a literatura e fiz um protocolo com a ajuda do (Dr. Antonio Carlos Lima) Pompeo para chamar todos os pacientes e entrevistá-los sobre a função sexual.

Naquele momento, o meu amigo Pedro Puech-Leão, R-4 da Cirurgia Vascular, estava fazendo um trabalho estranhíssimo que era medir a pressão arterial do pênis de pacientes e residentes “voluntários”. Eu e o Pedro já nos conhecíamos desde o início da faculdade quando nós namorávamos duas garotas que eram vizinhas e, em certo dia, ele teve que me emprestar dinheiro para comprar gasolina para meu carro que havia “morrido” na rua das nossas namoradas. Conversei com o Pedro sobre a impotência após transplante renal e comecei a aprender que o problema podia ter origem vascular e que ele estava desenvolvendo um teste que podia fazer esse diagnóstico, o qual, mais tarde, veio a ser conhecido no mundo todo como índice pênis-braço pós esforço.

Esse trabalho foi feito e publicado e a partir daí nasceu uma parceria fraterna e muito frutífera. O Pedro passou a fazer arteriografias para insuficiência vascular peniana e as revascularizações micro-cirúrgicas. Começamos a perceber que havia um campo novo e virgem. Naquela época o único tratamento feito na Clínica Urológica, álias como em todo o mundo, era o implante de prótese, iniciado e mantido pelo Prof. (Milton) Borrelli. Consegui convencer o doutor Borrelli que podíamos avaliar melhor os pacientes com impotência, logo montamos o primeiro grupo multidisciplinar com esse objetivo. Participavam o Dr. Borrelli, o Pedro, a Dra. Berenice Bilharinho Mendonça (endocrinologista) e eu. Logo percebemos que era fundamental ter um suporte psicológico para o diagnóstico e eventual tratamento de uma doença onde o emocional era de grande importância. Assim, a psicóloga Eliane Golcman fez a primeira versão do MMPI (teste psicométrico para avaliação de dados da personalidade) para o português e o aplicou nos pacientes vistos pelo grupo. O grupo amadureceu e fomos privilegiados com um dia de ambulatório específico para a “impotência” sexual.

Mais tarde a Eliane saiu para trabalhar na Faculdade Objetivo e passamos a contar com um psiquiatra, o Moacir Costa, que vinha de Londrina e trazia na bagagem uma especialização em Nova York com a Dra. Helen Kaplan, e que passou a trabalhar como médico colaborador na Clínica Urológica.

Acabei a Residência, a Uro-Pediatria ficou para trás, e por indicação do meu eterno mentor o Marmo (Antonio Marmo Lucon), fui para Cleveland fazer um “fellowship” em Infertilidade. Afinal, infertilidade e impotência eram consideradas “meio parecidas”.

Quando voltei dos EUA, o grupo continuava, os trabalhos começaram a aparecer, ficamos conhecidos, as aulas e as palestras tornaram-se constantes. Enfim, pouca gente trabalhava séria e cientificamente nessa área.

Além disso, o Moacir propôs ao grupo abrir um consultório privado para realizar o mesmo trabalho. O Dr. Borrelli e a Berenice, por motivos particulares, não quiseram aderir, porém apoiaram a ideia. O Pedro, o Moacir e eu discutimos muito, analisamos muito (muito chopp no Ponto Chic!) e resolvemos ir em frente. A indecisão era porque muita gente achava que impotência era mesmo "para picareta” e eu e o Pedro temíamos que isso pudesse prejudicar nosso futuro acadêmico. Fui conversar com o Prof. Gilberto e ele só pediu para que mantivéssemos a seriedade.

Sir Henry Havelock Ellis
Foi quando entrou em cena o quarto mosqueteiro, o Dr. José Mário Reis, cirurgião vascular, que também vinha de Londrina e era amigo do Moacir. Rapidamente as coisas evoluíram. Para meu susto, o Moacir e o Zé alugaram uma casa na rua Edgar Egídio de Souza, 486, próxima ao Estádio do Pacaembu e no dia 30 de junho de 1984 o Moacir atendeu o primeiro paciente no Instituto H. Ellis. A propósito, o nome também foi motivo de controvérsia. Seria muito difícil que algum homem entrasse em um Instituto de Tratamento de Impotência Sexual e depois de alguma discussão o Moacir sugeriu que homenageássemos o antropólogo inglês Henry Havellock Ellis, um dos primeiros autores a escrever sobre sexualidade no século XIX e XX e teve como mérito falar que a masturbação não era pecado.

Nos primeiros anos do Instituto os pacientes eram atendidos por todos e as condutas eram tomadas nas reuniões (com pizza) das quintas-feiras à noite. Isso foi religiosamente feito para os primeiros 1500.

Vieram inúmeros trabalhos publicados no Brasil e no exterior, duas monografias de mestrado, três teses de doutorado e uma de Livre-Docência, todas realizadas com ideias e casuística geradas pelo Instituto.

Incalculáveis livros foram publicados, estagiários formaram-se e passaram a integrar o grupo como o Oswaldo (Martins Rodrigues), o Ângelo (Monesi), a Aparecida (Favoreto) e o outro Sidnei (Di Sessa). Chegaram a trabalhar conosco nove psicólogos mostrando o caráter multidisciplinar da nossa área de atuação. Aos quatro citados juntaram-se a Sonia Daud, a Liane Martins, a Margareth de Mello Ferreira, o Fabiano Puhlman e o Eduardo Yabusaki.

Tivemos vários cursos de formação para psicólogos e médicos e mais de 300 profissionais passaram pelos “anfiteatros”, primeiro na rua Edgar Egídio de Souza, e depois na Praça Charles Miller 80, para onde mudamos em 1988.

Organizamos dois cursos internacionais, o primeiro no Guarujá em 1987 e o segundo, no Maksoud em São Paulo, para comemorar os 10 anos do H. Ellis.

Em 1994 o Moacir deixou o grupo para uma atividade solo, mas manteve uma convivência frequente com o time. Em 1993 o (Eduardo) Pagani juntou-se ao grupo para continuar as pesquisas na área da neuro-fisiologia iniciadas pelos Drs. Milton Medeiros e Martin Portner. Nunca vou esquecer o dia em que o Pedro e eu, sentados em um dos restaurantes da Praça Vilaboim, convidamos o Martim para vir de Porto Alegre fazer pesquisas conosco em São Paulo. A reação do Martim foi de paixão à primeira vista, era uma instituição privada onde se fazia pesquisa! O Martim conviveu dois anos conosco, na ponte-aérea Porto Alegre-São Paulo ou guiando meu Jeep (ano 1962) pelas ruas de São Paulo. Infelizmente a área da neuro-fisiologia não trouxe grandes frutos, apesar de todo nosso investimento e pesquisa.

Nosso grupo liderou a fundação da ABEI (Associação Brasileira para o Estudo da Impotência Sexual) em 1987, o Pedro participou da fundação da SLAI (Sociedade Latinoamericana para o Estudo da Impotência) em 1990, da qual fui Secretário-Geral de 1997 a 2001 e eleito Presidente para o período de 2011 a 2013, já com o nome de Sociedade Latinoamericana de Medicina Sexual (SLAMS) e organizamos o IV Congresso Mundial Sobre Impotência, da ISIR (International Society of Impotence Research) no Rio de Janeiro em 1990.

E por falar na ISIR, depois ISSIR (International Society of Sexuality and Impotence Research) e agora International Society of Sexual Medicine (ISSM), nossa participação tem sido relevante. O Pedro foi membro do Comitê Executivo de 1988 a 1992, quando o substituí até 1996. Em 1998 fui eleito Presidente para o mandato de 2000 a 2002.

Nosso grupo ainda escreveu um tratado sobre Disfunção Sexual Masculina, publicado em português em 2002 e em espanhol em 2004.

recepção do Instituto H. Ellis
Os anos passaram, vários outros colegas e amigos fizeram parte do nosso time até chegarmos à formação atual. Outros eventos foram realizados como a comemoração dos nossos aniversários de 20 e 25 anos, este junto à reunião da Academia Internacional de Sexologia Médica.

Acredito que o passado foi glorioso e o presente tem sido de muito reconhecimento, todavia nosso trabalho continua e esperamos que continue sendo encarado com muito respeito.